A invisibilidade da mulher em situação de sem-abrigo: A neutralidade das políticas e respostas sociais sobre a integração da perspectiva transversal de gênero em Portugal

Abstract

A situação de sem-abrigo é um fenômeno social em expansão que, apesar de ter existido ao longo da história sob variadas formas e expressões, atualmente tem sido incrementado pela crise econômica, pelas consequências negativas da globalização e do capitalismo desenfreado e pela precariedade dos mercados de trabalho. É um fenômeno complexo, multidimensional e heterogêneo que gera diferentes percepções político-sociais e formas de lidar com o problema, sendo de difícil conceitualização. Em Portugal, não há estudos suficientes que sustentem a realidade do fenômeno, porém, isto não impediu a construção de uma estratégia integrada para enfrentar o problema. A nossa proposta é analisar as formas pelas quais o fenômeno se expressa nesse país, com o fim específico de identificar e conhecer os contornos da condição da mulher em situação de sem-abrigo e identificar o mainstreaming de gênero nas políticas públicas e respostas sociais direcionadas ao fenômeno. Este estudo foi baseado numa abordagem qualitativa, mediante entrevistas semiestruturadas e bastante flexíveis, cuja maior atenção recaiu sobre as mulheres em situação de sem-abrigo. Neste estudo, participaram nove mulheres e cinco homens em situação de sem-abrigo, oito entidades de suporte direto e (in)direto e quatro entidades relacionadas à dimensão de gênero. Os dados recolhidos comprovam a limitação do conceito adotado em Portugal, cuja restrição delimita um fenômeno exclusivamente masculino, invisibilizando as situações das mulheres. As rotas das mulheres para a situação de sem-abrigo são marcadas por eventos relacionados ao gênero (violência doméstica, monoparentalidade e prostituição). As próprias mulheres não identificam a relação entre a sua condição de mulher e a situação de sem-abrigo. As entidades e profissionais reconhecem as diferenças nas trajetórias de mulheres e homens para a situação de sem-abrigo, porém, não identificam a necessidade de uma abordagem integrada de gênero nas respostas sociais. No mesmo sentido, as respostas sociais direcionadas às mulheres em situação de exclusão habitacional são formatadas pelos estereótipos de gênero. As políticas públicas e as respostas sociais são totalmente neutras em termos de gênero, ou seja, não contemplam o mainstreaming de gênero em quaisquer das suas fases.

Homelessness is an expanding social phenomenon that, despite having existed throughout history under various forms and expressions, has now been compounded by the economic crisis, the negative consequences of globalization and unbridled capitalism, and the precariousness of work markets. It is a complex, multidimensional and heterogeneous phenomenon that generates different social-political perceptions and ways of dealing with the problem, given the difficulty in conceptualizing it. In Portugal there are not enough studies that support the reality of the phenomenon, but this did not prevent the construction of an integrated strategy to face the problem. Our proposal is to analyze the ways in which the phenomenon manifests itself in Portugal, with the specific purpose of identifying and acknowledging the contours of the situation of women’s homelessness and to identify gender mainstreaming in public policies and social responses directed toward the phenomenon. This study was based on a qualitative approach, by means of semi-structured and somewhat flexible interviews, with a strong focus on women’s homelessness. The participants of this study were nine women and five men in a homelessness situation, eight direct and (in)direct support entities and four entities related to the gender dimension. The collected data proves how limited the adopted concept in Portugal is and such restriction determines an exclusively male phenomenon, rendering women’s plight invisible. Women's routes to homelessness are marked by gender-related events (domestic violence, single parenting and prostitution). Women themselves do not identify the relationship between their womanhood and the state of homelessness. Entities and professionals recognize the different trajectories of women and men toward homelessness, but do not identify the need for an integrated gender approach in social responses. Likewise, social responses directed to women in situations of housing exclusion are shaped by gender stereotypes. Public policies and social responses are completely gender neutral, that is, they do not address gender mainstreaming in any of their phases.